Por Luiz Coutinho e Milton
Jordão
Há mais de um ano atrás eclodiam nos noticiários
espanhóis e brasileiros a prisão do então jogador Daniel Alves, sob uma
acusação de praticar o delito de agressão sexual.
Convém ainda relembrar que a Espanha tinha modificado recentemente a sua
legislação de combate a crimes sexuais, aumentando consideravelmente as
sanções, agora todas reunidas sob a mesma classificação jurídica: agressão
sexual. Essa foi uma bandeira eleitoral do Podemos, partido vencedor do pleito,
e ganhou o apelido de Lei do “sim é sim”.
Pode-se afirmar que a causou espanto tal inusitado
fato, pois a imagem que sempre se transmitiu nunca levaria qualquer pessoa a
crer que o multicampeão Daniel Alves viesse a cometer esse tipo de conduta.
Crimes dessa natureza sempre chamam a atenção da
sociedade e atraem a mídia e, neste caso, se verificou uma tremenda
espetacularização midiática; afinal, o acusado foi um renomado jogador de
futebol, que atuou no mais tradicional clube da Catalunha (Barcelona), foi
titular por anos a fio da Seleção Brasileira de Futebol.
Do outro lado uma jovem desconhecida que se disse
vítima e encontrou nas instituições do Estado Espanhol (Polícia e Judiciário)
guarida para ver ecoar a sua voz. Inclusive, ressalte-se que a narrativa da
dita conduta criminosa de Daniel Alves poderia encontrar resistências por parte
do Estado, afinal, tudo teria ocorrido numa boate em Barcelona, o que permite
espaço para diversas conjecturas desfavoráveis à vítima.
Naturalmente, nenhum processo criminal que tenha
tantos holofotes faz bem para o Poder Judiciários e para as partes, pois as
expectativas e pressão são gigantes e podem interferir na boa condução dos
trabalhos em busca se concretizar a Justiça.
Nos crimes de natureza sexual é evidente a
dificuldade na formação de prova sólida a se afastar a mácula de injustiça. No
Brasil, por exemplo, convive-se com sedimentada linha de jurisprudência onde se
acolhe a voz da vítima como prova quase que inconteste.
Com isso, por vezes, há um afrouxamento no aprofundamento e na busca de
evidências, ainda que circunstanciais, que sirvam de lastro probatório.
O caso “Daniel Alves” revelou como possível
se alcançar um elevado grau de aprofundamento das investigações policiais, ao
ponto em que a palavra em si – seja da vítima, seja do acusado – deveriam se
amoldar às evidências coletadas.
Veja-se que a primeira versão ofertada por Daniel
Alves indicou a inexistência de relação sexual, uma negativa plena do fato.
D´outro lado a vítima resistia com a sua versão de que teria sido abusada
sexualmente, de que a relação mantida com ele violou a autonomia da sua
vontade.
Pouco a pouco o castelo de areia construído por
Daniel Alves fosse sendo desmanchado, a cada nova manchete na imprensa, uma
nova versão, cada vez pior, seja na percepção do processo criminal, seja na da
opinião pública.
Por fim, as provas colhidas indicaram que houve a
relação sexual, assim como ela teria sido obtida à força. Faz bem recordar que
depois de não poder mais negar a sua existência, Daniel Alves passou a
sustentar que a relação foi consentida; contudo, por meio de evidências
colhidas tal alegação não encontrou suporte probatório.
Quiçá, o exemplo que esse caso revela reside na
acolhida que o Estado deu à vítima, protegendo-a e investigando o fato com mais
rigor e profundidade. Observa-se uma preocupação com a produção da prova, que,
praticamente, foi afastando o debate de mérito e restando, hoje, a discussão
sobre a pena. Pode-se aventar que o fato de ser uma celebridade global do mundo
do futebol
e, com isso, a preocupação de que holofotes de todos os rincões da Terra
avaliariam a qualidade técnica do trabalho desenvolvido pela polícia catalã e o
Poder Judiciário, exigiria uma atenção especial.
A despeito desta questão, é interessante perceber
que existe possibilidade de se colher evidências em crimes dessa natureza e
abrir mão da quase efetiva presunção de que a palavra da vítima é suficiente.
Desta forma, a sensação de justiça se revela mais evidenciada.
Eis, pois, uma lição a ser aprendida pelo Brasil.
Ir além da simples satisfação da prova mais fácil, promover efetiva
investigação técnica, realizar exames e concatená-los com a realidade
processual. E mais, dar voz ao acusado (ainda na fase policial) para que a sua
versão seja conhecida e contraditada.
Afinal de contas, fazer justiça não é privativo dos
juízes, nem mesmo é missão divina outorgada a promotores de justiça; ao revés,
é dever de todos os atores do sistema criminal. Romper com a ideia de que a
justiça tem “donos” auxiliará na construção efetiva de resultados em processos
penais efetivamente mais justos e evitará que inocentes padeçam ou vítimas pranteiem
por ver triunfar injustiças.
No Código Penal
Espanhol não há mais distinção entre “abuso” ou “agressão” sexual (figuras
existentes até outubro de 2022), existindo apenas uma figura jurídica que trata
dos delitos dessa natureza. Apenas deverá ser observado pelo juiz a gradação da
conduta, o que será refletida na pena a ser imposta. No caso de Daniel Alves
aplica-se o artigo 179, a saber: 1.Cuando la
agresión sexual consista en acceso carnal por vía vaginal, anal o bucal, o
introducción de miembros corporales u objetos por alguna de las dos primeras
vías, el responsable será castigado como reo de violación con la pena de
prisión de cuatro a doce años.2. Si la
agresión a la que se refiere el apartado anterior se cometiere empleando
violencia o intimidación o cuando la víctima tuviera anulada por cualquier
causa su voluntad, se impondrá la pena de prisión de seis a doce años.
AGRAVO
REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. REVISÃO
CRIMINAL. ESTUPRO. RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO. ALEGADA
CONTRARIEDADE DE TEXTO DE LEI OU DA EVIDÊNCIA DOS AUTOS. NÃO
OCORRÊNCIA. AUTORIA COMPROVADA POR VÁRIOS ELEMENTOS DE PROVA. PALAVRA
DA VÍTIMA. RELEVÂNCIA. SÚMULAS N. 83 E 7 DO STJ.
1. O reconhecimento fotográfico
realizado na fase inquisitorial é admitido, desde que corroborado por outras
provas colhidas na fase judicial, sob o crivo do contraditório e da ampla
defesa.
2. No crime de estupro, muitas
vezes cometidos às ocultas, a palavra da vítima tem especial relevância,
sobretudo quando há coerência entre a dinâmica dos fatos e as provas coligidas.
3. Não se conhece de recurso
especial quando o acórdão recorrido encontra-se em consonância com a
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça ou há necessidade de reexame de
fatos e provas. Súmulas n. 83 e 7 do STJ.
4. Agravo regimental
desprovido. (STJ – AgRg no AgREsp 1797865/PA)