sexta-feira, 2 de fevereiro de 2024

Exclusivo: Caso Daniel Alves e a formação da prova nos crimes sexuais, segundo advogados

Por Luiz Coutinho[1] e Milton Jordão[2] 

 

Há mais de um ano atrás eclodiam nos noticiários espanhóis e brasileiros a prisão do então jogador Daniel Alves, sob uma acusação de praticar o delito de agressão sexual[3]. Convém ainda relembrar que a Espanha tinha modificado recentemente a sua legislação de combate a crimes sexuais, aumentando consideravelmente as sanções, agora todas reunidas sob a mesma classificação jurídica: agressão sexual. Essa foi uma bandeira eleitoral do Podemos, partido vencedor do pleito, e ganhou o apelido de Lei do “sim é sim”.

 

Pode-se afirmar que a causou espanto tal inusitado fato, pois a imagem que sempre se transmitiu nunca levaria qualquer pessoa a crer que o multicampeão Daniel Alves viesse a cometer esse tipo de conduta.

 

 

Crimes dessa natureza sempre chamam a atenção da sociedade e atraem a mídia e, neste caso, se verificou uma tremenda espetacularização midiática; afinal, o acusado foi um renomado jogador de futebol, que atuou no mais tradicional clube da Catalunha (Barcelona), foi titular por anos a fio da Seleção Brasileira de Futebol.

 

Do outro lado uma jovem desconhecida que se disse vítima e encontrou nas instituições do Estado Espanhol (Polícia e Judiciário) guarida para ver ecoar a sua voz. Inclusive, ressalte-se que a narrativa da dita conduta criminosa de Daniel Alves poderia encontrar resistências por parte do Estado, afinal, tudo teria ocorrido numa boate em Barcelona, o que permite espaço para diversas conjecturas desfavoráveis à vítima.

 

Naturalmente, nenhum processo criminal que tenha tantos holofotes faz bem para o Poder Judiciários e para as partes, pois as expectativas e pressão são gigantes e podem interferir na boa condução dos trabalhos em busca se concretizar a Justiça.

 

Nos crimes de natureza sexual é evidente a dificuldade na formação de prova sólida a se afastar a mácula de injustiça. No Brasil, por exemplo, convive-se com sedimentada linha de jurisprudência onde se acolhe a voz da vítima como prova quase que inconteste[4]. Com isso, por vezes, há um afrouxamento no aprofundamento e na busca de evidências, ainda que circunstanciais, que sirvam de lastro probatório.

 

O caso “Daniel Alves” revelou como possível se alcançar um elevado grau de aprofundamento das investigações policiais, ao ponto em que a palavra em si – seja da vítima, seja do acusado – deveriam se amoldar às evidências coletadas.

 

Veja-se que a primeira versão ofertada por Daniel Alves indicou a inexistência de relação sexual, uma negativa plena do fato. D´outro lado a vítima resistia com a sua versão de que teria sido abusada sexualmente, de que a relação mantida com ele violou a autonomia da sua vontade.

 

Pouco a pouco o castelo de areia construído por Daniel Alves fosse sendo desmanchado, a cada nova manchete na imprensa, uma nova versão, cada vez pior, seja na percepção do processo criminal, seja na da opinião pública.

 

Por fim, as provas colhidas indicaram que houve a relação sexual, assim como ela teria sido obtida à força. Faz bem recordar que depois de não poder mais negar a sua existência, Daniel Alves passou a sustentar que a relação foi consentida; contudo, por meio de evidências colhidas tal alegação não encontrou suporte probatório.

 

Quiçá, o exemplo que esse caso revela reside na acolhida que o Estado deu à vítima, protegendo-a e investigando o fato com mais rigor e profundidade. Observa-se uma preocupação com a produção da prova, que, praticamente, foi afastando o debate de mérito e restando, hoje, a discussão sobre a pena. Pode-se aventar que o fato de ser uma celebridade global do mundo do futebol[5] e, com isso, a preocupação de que holofotes de todos os rincões da Terra avaliariam a qualidade técnica do trabalho desenvolvido pela polícia catalã e o Poder Judiciário, exigiria uma atenção especial.

 

A despeito desta questão, é interessante perceber que existe possibilidade de se colher evidências em crimes dessa natureza e abrir mão da quase efetiva presunção de que a palavra da vítima é suficiente. Desta forma, a sensação de justiça se revela mais evidenciada.

 

Eis, pois, uma lição a ser aprendida pelo Brasil. Ir além da simples satisfação da prova mais fácil, promover efetiva investigação técnica, realizar exames e concatená-los com a realidade processual. E mais, dar voz ao acusado (ainda na fase policial) para que a sua versão seja conhecida e contraditada.

 

Afinal de contas, fazer justiça não é privativo dos juízes, nem mesmo é missão divina outorgada a promotores de justiça; ao revés, é dever de todos os atores do sistema criminal. Romper com a ideia de que a justiça tem “donos” auxiliará na construção efetiva de resultados em processos penais efetivamente mais justos e evitará que inocentes padeçam ou vítimas pranteiem por ver triunfar injustiças.

 



[1] QUALIFICAR

[2] Advogado. Mestre em Políticas Sociais e Cidadania pela UCSAL. Mestrando em Direito Desportivo pela Universidade de Lleida (Espanha). Presidente do Instituto de Direito Desportivo da Bahia (IDDBA). Membro do Conselho Deliberativo do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD). Árbitro Esportivo na Câmara Brasileira de Mediação e Arbitragem (CBMA). Árbitro da Câmara de Mediação e Arbitragem Especializada (CAMES-BA). Membro da Câmara Nacional de Resolução de Disputas da CBF (2020/2022). Membro da Comissão de Direito Desportivo da OAB Nacional (2018/2021; 2015/2018; 2012/2015). Presidente do STJD do Judô. Procurador do STJD do Futebol (2012/2016). Autor de artigos e obras jurídicas sobre Direito Desportivo.

[3] No Código Penal Espanhol não há mais distinção entre “abuso” ou “agressão” sexual (figuras existentes até outubro de 2022), existindo apenas uma figura jurídica que trata dos delitos dessa natureza. Apenas deverá ser observado pelo juiz a gradação da conduta, o que será refletida na pena a ser imposta. No caso de Daniel Alves aplica-se o artigo 179, a saber: 1.Cuando la agresión sexual consista en acceso carnal por vía vaginal, anal o bucal, o introducción de miembros corporales u objetos por alguna de las dos primeras vías, el responsable será castigado como reo de violación con la pena de prisión de cuatro a doce años.2. Si la agresión a la que se refiere el apartado anterior se cometiere empleando violencia o intimidación o cuando la víctima tuviera anulada por cualquier causa su voluntad, se impondrá la pena de prisión de seis a doce años.

 

[4] AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. REVISÃO CRIMINAL. ESTUPRO. RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO. ALEGADA CONTRARIEDADE DE TEXTO DE LEI OU DA EVIDÊNCIA DOS AUTOS. NÃO OCORRÊNCIA. AUTORIA COMPROVADA POR VÁRIOS ELEMENTOS DE PROVA. PALAVRA DA VÍTIMA. RELEVÂNCIA. SÚMULAS N. 83 E 7 DO STJ.

1. O reconhecimento fotográfico realizado na fase inquisitorial é admitido, desde que corroborado por outras provas colhidas na fase judicial, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa.

2. No crime de estupro, muitas vezes cometidos às ocultas, a palavra da vítima tem especial relevância, sobretudo quando há coerência entre a dinâmica dos fatos e as provas coligidas.

3. Não se conhece de recurso especial quando o acórdão recorrido encontra-se em consonância com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça ou há necessidade de reexame de fatos e provas. Súmulas n. 83 e 7 do STJ.

4. Agravo regimental desprovido. (STJ – AgRg no AgREsp 1797865/PA)

 

[5] Recorde-se que Daniel Alves atuou por muitos anos no Barcelona FC, podendo ser considerado um recente ídolo da torcida.

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