Coluna Djalma Dilton
Série: Todo técnico é vilão! (IV)
Histórias e estórias de Piguirrita!
Piguirrita, por ser uma pessoa modesta, evita falar sobre suas conquistas como jogador de futebol. Com apenas 17 anos, ele já era o ponta-direita titular do Bahia de Feira.
Durante as férias escolares, atende o chamado do seu pai para ajudá-lo na compra do fumo em folha, na cidade produtora de tabaco, conhecida como Arapiraca, no Estado de Alagoas.
Ao chegar ao hotel, após cumprimentos com abraço a seu pai, foi levado por um seu amigo e conterrâneo, também, hospedado no mesmo hotel. Esse seu amigo se dizia conhecedor de todos os cantos e pessoas da comunidade, oferecendo um passeio em um novo jeep pertencente à empresa que prestava serviços, levando Piguirrita a diversas aventuras não planejadas.
O amigo conhecia bem os lugares ideais para levar o recém-chegado, fruto de uma longa amizade e do fato de ser um boêmio e cantor de serestas; algo não compatível a quem pratica esporte. Assim, os jovens foram aproveitar os atrativos da vida noturna, como bares, salões de dança e serestas. Já altas horas da madrugada, alguém resenhava sobre futebol e, por acaso, lamentava a ausência de seu ponta-direita para o próximo jogo, que embora amistoso, tinha grande importância por marcar o aniversário da cidade.
"Fique tranquilo, homem! Oxente! Aqui está a solução para seu problema!" (Apontando o dedo indicador em direção a Piguirrita.) " É verdade! Este garoto é bom de bola?" "Dentre os pontas que já vi jogar, só fica atrás do Garrincha!"
O treinador conhecido como Sebastião tinha uma aparência semelhante à do zagueiro Henricão, Campeão Brasileiro pelo Bahia em 1959. Sem hesitar, ele perguntou curioso: "Em que time você joga, garoto? "O falso empresário respondeu antes mesmo da intervenção: "Bahêa, bahêa!" Devido ao barulho típico do ambiente e ao consumo excessivo de algumas bebidas, impedem que a frase seja concluída.
Assim, ficou claro que aquele menino era uma verdadeira promessa no cenário do futebol brasileiro; porém, não foi esclarecido que o Bahia em questão era o de Feira. Animado com as informações confiáveis, o treinador passou a programação dos treinos: "Amanhã, na quarta-feira, o treino será às 16 horas e a preparação final na sexta-feira, também no mesmo horário; conto contigo, garoto! Acredito que com dois coletivos conseguiremos um bom entrosamento entre toda a equipe."
"Professor, está esquecendo que já é quarta-feira? Já são três da matina!"
"É verdade, garoto! Precisamos nos recolher para recuperar as energias. "
Mais tarde, já passava das 15 horas quando seu amigo se deu conta do tempo avançado e correu até o quarto do Piguirrita para acordá-lo. Tomam rápido banho e sem almoçar, optaram por vitamina de banana. Desta forma, conseguiram chegar no exato momento para o início do coletivo.
Com poucas palavras e uma expressão de poucos amigos, provavelmente influenciada pela ressaca, retirando do ombro as camisas a serem distribuídas aos jogadores em campo. Quando autoriza que o garoto Piguirrita fosse rápido em pegar no vestiário a chuteira a ser usada; que por sinal velha e apertada nos pés.
Cercado de expectativa, por diversos torcedores ansiosos para ver a agilidade e os dribles desconcertantes do baianinho, que, na verdade, deixou a desejar com o "famoso" ponta- direita, que nem chegou a tocar na bola.
Envergonhado, ele decidiu se retirar do campo, por não ter atendido às expectativas e gerando uma frustração por não participar da tão esperada partida de futebol. "Não, garoto! Apreciei sua movimentação em campo, jogando na linha. Você continuará treinando no ataque principal, enfrentando os titulares da defesa. " - E, assim, entregou a camisa número sete.
Agora é tudo ou nada; pensava em voz alta o Piguirrita, enquanto corria para o chuveiro, se encharcando com uniforme, chuteiras e tudo, na tentativa de aliviar o cansaço. Antes de se posicionar, dirigiu-se ao seu lateral com um breve cochicho, pedindo passes rasteiros em sua direção.
E assim aconteceu; aproveitando a chance, quando a bola quicava no chão e era tocada por baixo com o bico da chuteira, sendo impulsionada a encobrir o seu marcador, que ficou sentado à procura da bola, observava o chapéu ser finalizado. A pelota já estava na linha de fundo, sendo cruzada para dentro da área e arrematada em gol pelo atacante, Bocão. Foi o único gol do treino, devido à intensidade da disputa pelas respectivas posições. Os adeptos dessa arte de jogar futebol não falavam de outra coisa, ansiosos para o domingo, quando assistiriam ao aguardado confronto entre ASA X CSA (Campeão Alagoano).
No treino programado para sexta-feira, Piguirrita foi poupado, visando a recuperação de uma inflamação com pus, provocada pela chuteira apertada que foi utilizada no treino anterior.
Finalmente, chegou o dia do jogo. Pela manhã, o médico foi ao hotel para realizar a última avaliação. Ao remover o curativo, pressionou com força o dedo polegar e perguntou; "Isso dói?: O atleta respondeu: "Só um pouquinho, Doutor!"
Sempre atento, o treinador entrou na conversa sugerindo que se comprassem dois pares de chuteiras em numerações diferentes e que fossem reforçadas com gazes e algodão; assim, o problema estaria resolvido.
Os times entraram em campo sob os aplausos da torcida, que foram saudados pelos jogadores. De imediato formaram um círculo para aquecimento, com o goleiro (que era mudo) no centro, rolando a bola para praticar chutes e defesas. Até chegado o momento que a pelota foi direcionada para o garoto promissor, que desejava impressionar os torcedores como forma de retribuir as ovações do seu nome: "Baianinho, baianinho!" Ele bate a bola de três dedos, na tentativa de por efeito e dificultar a defesa do arqueiro.
Ouve-se um grito: "AI!" Seguido de um silêncio absoluto, enquanto ele, sentado, tentava tirar o curativo do ferimento. Ao ver a mancha de sangue, foi socorrido pelo treinador e seu assistente, sendo retirado para fora do campo sob vaias e gritos de protestos dos torcedores que antes o exaltavam.
Agora, eram insultos e palavras ofensivas! Em vez de fogos de artifício; uma enxurrada de cascas de bananas e laranjas eram lançadas com a intenção de atingi-lo.
Assim, aquele jovem talentoso experimenta uma drástica mudança em um curto espaço de tempo, transitando entre a glória e a humilhação, marcando sua vida para sempre diante daquela torcida.
Djalma Dilton é escritor, poeta, compositor e cantor. Membro da Academia Brasileira de Artes Integradas. Ex-jogador do Bahia de Feira nos anos 1960 a 1962.